quinta-feira, 29 de maio de 2014

TDAH

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Um Exemplo:
Presta atenção, ... não viaja!
Quando está fazendo atividades você não consegue se concentrar?
-Mãe, é que eu esqueço o que eu tô fazendo, por exemplo, se a professora fala presidente, eu logo imagino que sou um presidente e que estou pelo mundo fazendo muitas coisas e se ela fala carro, eu logo imagino que estou numa Ferrari conhecendo muitos lugares!.
-Mas filho, sempre foi assim?
-Hã, como assim?
-Sempre foi assim na escola, você fica imaginando coisas?
-Ah é! Acho que sempre.
-Tá bom, agora a mãe precisa ir trabalhar, vem aqui e fecha o portão pra mim?
Então logo levanto da mesa e ele me segue pra fechar o portão, chego na frente de casa e ele volta. Eu observando chamo-o:
-Filho! O que foi que eu falei pra você?
-Hã?
-Filho, eu falei pra você fechar o portão! 

-Ah é... Eu sabia que tinha que fechar alguma coisa!

O texto abaixo, dá uma visão do funcionamento do cérebro das pessoas com esse distúrbio.
Por Rodrigo Rezende .
Buzina de carro, latido de cachorro, choro de bebê, "Que horas são?", "Rola algo no Facebook?", "Que programa de TV é esse?", "O que tem para comer?", "Por que alguém vai ler esta matéria mesmo?". Apenas 5 minutos sentado em frente ao computador e tudo isso já passou pela minha cabeça. Tudo ao meu redor fala mais alto do que escrever este texto. Fecho a janela, checo o relógio, surfo na net, desligo a tv, como chocolate. Só então consigo voltar para explicar o que você ganha ao continuar lendo esta matéria: uma visão sobre como funciona uma mente inquieta. Nas próximas páginas, você vai enxergar o mundo pelos meus olhos. Bem-vindo ao cérebro TDAH. 

A redação da SUPER não é exatamente o lugar mais tranquilo para manter a atenção. Pilhas de livros nas mesas, revistas importadas nas paredes, gente falando ao telefone. Enquanto rabisco caoticamente num bloquinho, o diretor de redação me explica uma pauta: "Quero que você escreva sobre TDAH. Mas em primeira pessoa. Sua experiência pode ser interessante para o leitor". Topo fazer a matéria imediatamente. Marcamos o prazo de um mês para entregar o texto que você lê agora. Prazo real de entrega: dois anos. 

Se você tem TDAH, não é difícil se identificar com a história acima. Ela expõe um dos traços mais característicos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: dificuldade em gerenciar o tempo. O paciente TDAH também se reconhece facilmente na brincadeira de Douglas Adams, autor do Guia do Mochileiro das Galáxias: "Amo prazos de entrega. Adoro o som que fazem quando passam voando pela minha janela". Quem sofre de TDAH tende a ser tachado de avoado ou incapaz. Mas julgamentos como esses não explicam as nuances da mente TDAH. Eu mesmo, por exemplo, perco as contas de quantas vezes chego atrasado a compromissos e esqueço datas de aniversário. Ao mesmo tempo, tenho a estranha capacidade de ler textos que me interessam por horas a fio nos ambientes mais caóticos possíveis. 

É bem provável que você conheça mais pessoas com esse perfil. Estima-se que um em cada 20 adultos apresente sintomas suficientes para ser diagnosticado com TDAH. Um estudo afirma que o impacto da doença na produtividade dos EUA é de US$ 77 bilhões de prejuízo por ano. Uma cifra que ultrapassa a da depressão (US$ 43 bilhões) e a do abuso de drogas (58). Por isso, entender o TDAH é uma tarefa cada vez mais importante. E é isso que eu fiz, procurando alguém que conhece o assunto bem de dentro. Mais exatamente, de dentro de seu próprio cérebro. 

Uma pilha de exames com cérebros coloridos. É o que mais chama atenção na mesa da psiquiatra e autora de livros Ana Beatriz Barbosa. Mas não consigo tirar os olhos de um outro objeto: um bloco de anotações. Dentro dele, vejo a prova física do que já sabia antes: não sou o único com problemas de atenção na sala. Os rabiscos caóticos só podem ter vindo de um lugar: outro cérebro TDAH. 

Enquanto enche de riscos o seu bloquinho, Ana Beatriz explica o que há de errado em nossas cabeças: "O defeito está numa parte do cérebro chamada lobo frontal, que fica próxima à testa." O lobo frontal é uma espécie de gerente executivo do cérebro. A função dele é coletar informações e enviar ordens em forma de impulsos elétricos para as outras partes do órgão. Mas, como todo bom gerente, exige um pagamento adequado para trabalhar. No caso, o pagamento é em dopamina, uma substância que regula a interação entre neurônios. Sem ela, os neurônios do lobo frontal não conseguem conversar direito. Quando isso acontece, o cérebro começa a funcionar como uma empresa sem CEO: ganha o setor que grita mais alto. Com medo da falência, a empresa cerebral ainda pode tentar criar uma espécie de caixa dois de dopamina. Aí começa uma busca desesperada por tudo que promove a produção do neurotransmissor: açucar, sexo, nicotina, jogo, álcool, drogas ilegais. Não é à toa que 17 a 45% dos adultos com TDAH apresentam problemas com álcool, e que o risco de se viciar em drogas é o dobro para quem tem essa doença. 

Mas como diagnosticar alguém assim? "Primeiro, é preciso sorte", diz a psiquiatra. "Pessoas com TDAH muitas vezes não têm ideia de que sofrem de uma doença". Sorte foi exatamente o que levou Ana Beatriz a ser diagnosticada. Atrasada para um curso na Universidade Berkeley (EUA) -"Começava às 8h. Cheguei 9h15."-, foi obrigada a assistir à única palestra disponível no horário. O palestrante era Russell Barkley, um dos pioneiros no estudo do TDAH. Ao ouvir os sintomas da doença, Ana Beatriz não teve dúvidas: "Sou eu!". Logo que a palestra acabou, foi atrás de Barkley e pediu para fazer um teste psicológico. Ele voltou com o resultado positivo. Assim que começou a se tratar para TDAH, Ana Beatriz, que cursou ao mesmo tempo Medicina, Física e Odontologia, conseguiu pisar no freio da mente e seguir uma estrada só: especializou-se em TDAH e hoje é autora de best-sellers sobre o tema. 

Homo desatentus
Savana africana, 30 mil a.C. Em um pequeno grupo de Homo sapiens, alguém se esforça para entender a conversa. Não é tarefa fácil. Folhas balançando ao vento, pilhas de ossos ao lado, trilhas de animais no chão. Tudo capta seu olhar. Mas o TDAH pode ter sido uma vantagem para nossos ancestrais. Na luta pela sobrevivência entre caçadores-coletores, levava vantagem quem possuía uma misteriosa habilidade presente no cérebro TDAH: o hiperfoco. Hiperfoco é uma capacidade de superconcentração característica de muitas mentes desatentas. Você já deve ter topado com gente assim: o menino que não para quieto, mas joga 10 horas de videogame, ou a pessoa que não vai à aula, mas passa a tarde tocando violão. Seriam todos descendentes diretos do caçador distraído, mas supereficaz. Para ele, um animal na savana é como um videogame ou um violão: algo que monopoliza o cérebro. Essa capacidade de ver uma presa e apagar o resto do mundo conferiu vantagens evolutivas. E, em tese, possibilitou que os genes do caçador TDAH chegassem até nós. "Estima-se que 80% dos casos de TDAH têm origens genéticas", diz o psiquiatra da New York University Lenard Adler. 

Para saber mais
Mentes Inquietas
Ana Beatriz Barbosa, Fontanar, 2009. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário